Escrever a Própria História: Por Onde Começar?
- Nicole Plascak
- 28 de nov.
- 3 min de leitura

Quanto tempo se leva para morrer? A pergunta atravessa como um corte fino. Mas não fala só do fim do corpo, fala também desse lugar silencioso em que percebemos que a forma como temos vivido talvez não seja, de fato, viver.
Quantos dias passamos em piloto automático, repetindo rotinas, relações e escolhas que já não reconhecemos como nossas? Quantas vezes chamamos de “vida” aquilo que, no fundo, é apenas resistência, sustentar o conhecido, mesmo quando ele já não faz mais sentido?
No livro “Primeiro eu tive que morrer” da Lorena Portela, a personagem precisa experienciar uma morte que não é a física como conhecemos, mas a morte da pessoa que ela havia sido até aquele momento. Uma versão de si mesma que já não dava conta da sua verdade. É como se a antiga vida precisasse se desfazer para que outra possibilidade de existir pudesse, enfim, aparecer.
A morte que não é do corpo
Há mortes que não aparecem em atestados. São as mortes simbólicas: o fim de um jeito de viver, de uma identidade, de um papel que se esgotou. Às vezes, é o trabalho que adoece. Outras, uma relação que se sustenta mais no medo da solidão do que na presença verdadeira. Em muitos casos, é uma versão nossa que aprendeu a sobreviver, mas não tem erergia para viver com plenitude.
Podemos imaginar essa morte simbólica como a troca de uma casca. Um dia, aquela estrutura protegeu. Com o tempo, passa a apertar. A pessoa cresce, a casca não. Ficar ali dentro é sufocante, mas sair também assusta: é encarar o desconhecido com a pele nova, ainda frágil. Em processos de autoconhecimento, muitas vezes é preciso reconhecer que certos sentidos que dávamos à nossa própria história já não servem mais. O modo como nos víamos, o lugar que ocupávamos nas relações, aquilo que aceitávamos em silêncio: tudo isso pode precisar “morrer” para abrir espaço para algo mais verdadeiro.
Quando a vida pede outra rota
Nem sempre essa mudança vem de forma suave. Às vezes, é um esgotamento, uma crise, um sintoma que não pode mais ser ignorado. Às vezes, é uma tristeza que não passa, um corpo que adoece, um incômodo que insiste em aparecer. São sinais de que a rota antiga já não sustenta quem estamos nos tornando. Fica uma provocação: O que precisa acontecer para termos coragem de reavaliar tudo e refazer o caminho? Até quando vamos seguir vivendo uma vida que já terminou por dentro?
Perguntas para olhar a própria vida
Em vez de buscar respostas prontas, talvez possamos começar com perguntas que abram espaço para um olhar mais simbólico, mais honesto, sobre a nossa própria história:
• O que em você já morreu, mas você continua tentando manter de pé por medo do vazio?
• Em que área da sua vida você sente que vive mais por obrigação do que por escolha?
• Quais gestos, palavras ou silêncios mostram que você já não cabe na mesma narrativa de antes?
Essas perguntas não exigem respostas imediatas. São convites. Pequenas frestas para que você se observe com mais gentileza, percebendo onde a vida pede fim, pausa ou recomeço.
Terapia como atravessamento
O acompanhamento terapêutico pode ser um lugar seguro para atravessar essas mortes simbólicas. Um espaço em que é possível nomear lutos invisíveis: de sonhos, de versões de si, de histórias que não seguiram como o esperado, sem pressa, sem julgamento.
Na terapia, é possível olhar para aquilo que já não faz sentido, entender por que ainda se sustenta, reconhecer os medos envolvidos em deixar ir. E, pouco a pouco, abrir espaço para que novos modos de existir sejam experimentados: mais alinhados ao que você sente, deseja e precisa. Talvez, no fim, a pergunta não seja apenas “quanto tempo se leva para morrer?”, mas: Quanto tempo ainda estamos dispostos a não viver?
Entre uma morte simbólica e outra, há sempre a chance de reescrever o modo como existimos com mais verdade, presença e cuidado consigo.



